Uma pequena reflexão sobre o mês de Novembro – mês da Consciência Negra, relacionado à profissão de Professor de Capoeira.
Uma das grandes conquistas que os brasileiros afro-descendentes puderam galgar nos últimos anos foi, sem sombra de dúvida, a determinação de que no dia 20 de Novembro fosse instituído e celebrado o Dia da Consciência Negra: uma data para reflexão acerca de tudo que o povo africano sofreu – e ainda sofre, em solo brasileiro. Como não poderia ser diferente, compondo parte da herança cultural africana, todos os anos, a prática da Capoeira passa a ser lembrada e requisitada nesta época por diversos segmentos da sociedade, principalmente em âmbito escolar, uma vez que sua característica plástica e riqueza de rituais afro-brasileiros a torna interessantíssima para qualquer docente ou gestor escolar: “Vamos trazer uma apresentação de Capoeira para nossos alunos…” é o discurso mais ouvido nas reuniões pedagógicas no início de Novembro.
Como profissional da arte, confesso que, em um primeiro momento, fico lisonjeado por receber inúmeros convites para ministrar apresentações de Capoeira todos os anos, principalmente ao longo do mês de Novembro. Mas, por outro lado, quando reflito sobre a valorização que a sociedade brasileira dá para a minha arte e profissão, uma tristeza sem tamanho, somada a certa revolta, sobrepõem tal sentimento. No dia de hoje, por exemplo, recebi 5 ligações de gestores de escolas públicas solicitando apresentações; na última delas, o solicitante iniciou o diálogo afirmando que não sabia como havia conseguido meu contato, mas que gostaria de saber se eu faria parte de um grupo de Capoeira. Ao receber a informação positiva, o solicitante praticamente exigiu que eu fosse, com meus alunos, ministrar uma apresentação em sua escola, em data e horário pré-determinados – e voluntariamente. “Não é isso que vocês fazem? Apresentações de Capoeira na rua, etc.?”, indagou o solicitante. Quando respondi que sou um profissional de Capoeira, e que não dispunha de tempo para atender a tal solicitação, o solicitante desligou o telefone abruptamente, sem sequer agradecer pela atenção desprendida.
Fiquei por alguns minutos pensativo… este é apenas um exemplo do reflexo da pseudo-valorização que a sociedade brasileira dá para a Capoeira, e para as suas inúmeras manifestações culturais de uma maneira geral! “Santo de casa não faz milagres…”, diz o ditado popular. Mas então por quê, em se tratando de cultura estrangeira, a mesma é sempre valorizada no Brasil? Salve a música americana, a culinária européia, as artes marciais orientais, como o Judô, o Karatê, o Taekwondo, o Muay-Thai… Por favor, não me entendam mal! Não sou contra o fomento de aspectos culturais estrangeiros em nosso país – aliás, sou aficionado por lutas orientais, mas supervalorizar o importado em detrimento ao nacional é, no mínimo, sinônimo de ignorância, ou burrice!
Valorize o que há de especial em nosso país! Valorize a Capoeira, patrimônio cultural brasileiro! Valorize os profissionais que lutam diariamente para que a cultura subsista, e que os mesmos possam subsistir da mesma.
Sim, sou profissional de Capoeira acima de tudo, inclusive no mês de Novembro!
Por Fábio André Castilha
O prof. Fábio é professor de Capoeira certificado pelo Grupo Muzenza de Capoeira. Mas é também professor de Inglês, de Educação Física; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Mestre em Ciência da Motricidade Humana; Delegado da Federação Internacional de Educação Física – FIEP; presidente da Associação de Capoeira Pedagógica – ACAPE, entidade com sede em Foz do Iguaçu, com aprox. 1000 alunos, e reconhecida com o título de utilidade pública; Docente efetivo do Colégio Militar de Manaus, Exército Brasileiro; autor e co-autor de 3 livros e inúmeros artigos científicos na área de Capoeira e Educação Física.